quinta-feira, 8 de outubro de 2009

NOTAS PARA UM ESTUDO SOBRE A IMIGRAÇÃO ALEMÃ EM SERGIPE

É farta a bibliografia brasileira acerca da imigração alemã. Todavia, os estudos centram sua atenção principalmente sobre os três Estados da região Sul e algumas áreas da região Sudeste que receberam muitos colonos oriundos da Alemanha, principalmente no período que vai da segunda metade do século XIX até o final da Segunda Guerra Mundial, na década de 40 do século XX. A maior parte dos estudos sobre o problema construiu uma representação segundo a qual a presença alemã no Brasil estaria reduzida a essas regiões, obscurecendo as possibilidades de outras interpretações. Há, contudo, muitos registros de imigrantes alemães em outras regiões do Brasil que ainda não receberam a necessária atenção dos estudiosos da história que se dedicam a este tipo de problema.
É necessário analisar com mais cuidado a importância que teve a presença alemã na região Nordeste do Brasil ao longo do século XIX, principalmente na constituição de modelos explicativos adotados por grupos que se opuseram ao regime monárquico (NASCIMENTO, 1999) e as suas contribuições ao desenvolvimento econômico. Tal presença é visível principalmente na Província de Pernambuco, onde se desenvolveu o movimento da chamada Escola do Recife, assentando as bases do culturalismo brasileiro. O discurso da intelectualidade alemã foi apropriado por um grupo de intelectuais da Faculdade de Direito do Recife e ganhou força, transformando Tobias Barreto em grande expressão do movimento. O trabalho de Tobias Barreto levou a intelectualidade pernambucana a assumir com muito entusiasmo as idéias de teóricos como Ernest Haeckel, Rudolf von Jhering, Hermann Post e Eduard von Hartman. Mas, os padrões explicativos alemães também foram fortes no movimento da Escola Tropicalista Baiana, organizado em torno da Faculdade de Medicina da Bahia. Merece menção ainda a chamada Padaria de Idéias, “movimento que se organizou no Ceará em face da influência de alguns intelectuais que se formaram sob a orientação intelectual do grupo da Escola do Recife” (NASCIMENTO, 1999, 8).
A colonização alemã no Brasil começou em 1818, com a fundação da Colônia Leopoldina no município de Mucuri, sul da Bahia, pelo cônsul alemão Peter Peycke e pelos naturalistas G. W. Freireiss e Morhardt.


Dessa colônia participavam 133 pessoas. Em 1822 uma outra colônia alemã foi fundada no Vale do Peruíbe, bem próxima da Colônia Leopoldina. A Colônia Frankental, o segundo núcleo, trouxe colonos da região de Francônia. No mesmo ano, Peter Weyll cria uma outra colônia alemã na Bahia. Eram 161 pessoas que se estabeleceram na margem esquerda do rio Cachoeira, próximo ao atual município de Ilhéus. Naquela região do Estado da Bahia são comuns sobrenomes como Lorenz, Schaun, Berbert, Holenwerger e Weyll (NASCIMENTO, 1999, 126).


Dados sobre a imigração alemã no Brasil revelam que entre 1836 e 1948 entraram no país cerca de 260 mil alemães (BASTO, 1970). Somente os portugueses (1.766.771), italianos (1.620.344) e espanhóis (719.555) têm uma participação maior na colonização do território brasileiro (NASCIMENTO, 1999, 124).
É propósito deste artigo contribuir para a compreensão da presença alemã em Sergipe. O tema ainda não mereceu um estudo mais aprofundado por parte dos estudiosos da história sergipana, não obstante a sua importância. As notas aqui apresentadas foram obtidas a partir de diferentes textos e documentos sobre a história de Sergipe, nos quais as referências estão dispersas. Além disso, foram examinados levantamentos sobre os alemães em Sergipe que vêm sendo organizados pelo cônsul honorário da Alemanha em Salvador, relatórios do Governo de Sergipe publicados em diferentes períodos, bem como registros existentes na imprensa local e no Arquivo Geral do Poder Judiciário do Estado de Sergipe.


A COLÔNIA DO QUISSAMÃ


Ao longo do século XIX foram muitas as discussões registradas em Sergipe acerca da necessidade de mandar trazer colonos europeus. Em 1851, o presidente da Província, Amâncio João Pereira de Andrade, defendia tal proposta, afirmando que a colonização proporcionaria a prosperidade de Sergipe e estimularia a mudança daquilo que ele considerava “costumes bárbaros e ferozes” dos habitantes sergipanos. O Estado de Sergipe criou as condições para o projeto da colônia agrícola formada por europeus desde o ano de 1894, quando aprovou a lei estadual nº 93, autorizando o governo a aplicar cem contos de réis por ano a fim de concretizar tal objetivo. Afinal, a imigração de estrangeiros “era entendida como uma forma de trazer novos hábitos culturais, de difundir o cultivo de outros produtos e técnicas agrícolas e industriais ou, ainda, de acordo com a mentalidade” vigente, aumentar o contingente demográfico de europeus e seus descendentes – os únicos capazes de produzirem uma sociedade civilizada, segundo o entendimento à época dominante (PASSOS Subrinho, 2000, 400).
Em Sergipe, a única experiência de assentamento de colonos alemães em torno da qual é possível encontrar registros, é a da Colônia Quissamã. Na área da Fazenda Quissamã funciona atualmente a Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão. Localizada na região leste do Estado de Sergipe, situada no quilômetro 96 da BR 101, Povoado Quissamã, Município de São Cristóvão, a Escola dista do centro urbano da capital aproximadamente dezoito quilômetros. Ela teve sua origem no Patronato São Maurício, criado em 1924, com curso de aprendizes e artífices destinado a crianças e adolescentes com problemas de ajustamento social e emocional. Atualmente é o único estabelecimento escolar do Estado de Sergipe a oferecer cursos de nível médio para a formação de técnicos destinados ao setor primário da economia (NASCIMENTO, 2004, 80).
O projeto de ocupar a área do Quissamã foi estabelecido a partir de 1922, durante o governo do presidente Maurício Graccho Cardoso, no contexto das suas preocupações com os problemas agrícolas de Sergipe e os impactos da atividade agrícola na economia local. Para dinamizar o setor, Graccho Cardoso criou o Banco Estadual de Sergipe e implantou centros experimentais de sementes selecionadas, com a finalidade de aperfeiçoar a produtividade e a qualidade do algodão em Sergipe. Com o mesmo propósito contratou um pesquisador norte-americano, o professor Thomaz R. Day, oriundo do Texas. O principal objetivo buscado com a presença deste especialista estrangeiro em Sergipe era fundar a Estação Experimental[i] Miguel Calmon. Em 1923, Graccho Cardoso criou o Departamento Estadual do Algodão.
Na área do Quissamã instalou-se o Centro Agrícola Epitácio Pessoa[ii], sendo fundado um laboratório de análises com o objetivo de “atender ao requisito da falta de controle científico e conhecimentos técnicos na produção do solo” (SERGIPE, 1923). Mas, a pedra de toque do projeto naquela região foi o assentamento de vinte e duas famílias de colonos alemães, uma experiência frustrada e abandonada em seguida. Graccho começou a preparar o processo de colonização ainda em 1923, quando editou o decreto 758, regulamentando a contratação e localização de imigrantes estrangeiros em Sergipe. O próprio presidente Graccho Cardoso registrou o início da experiência:


Iniciei a colonização estrangeira, com a localização, nos lotes adrede preparados, nesse estabelecimento, de 22 famílias alemãs. Penso que surtirá bom resultado este tratamento, que virá animar os proprietários agrícolas, que tanto sentem a falta de braços para o tamanho de suas terras, a procurarem esse valioso elemento (SERGIPE, 1924, 24).


Desde o século XIX a formação de colônias agrícolas com trabalhadores europeus era defendida por intelectuais e políticos.


No entender da intelligentsia nacional do século XIX, o principal problema brasileiro era o predomínio da população de origem africana e mestiça, de forma que o aumento do estoque da população de origem européia era um objetivo em si mesmo, ainda que, eventualmente, não resolvesse o problema de braços para a lavoura (PASSOS Subrinho, 2000, 280).


O projeto dos patronatos foi, em todo o país, tanto quanto possível, associado sempre à instalação de colônias agrícolas. Estas eram vistas, também, como uma possibilidade de fixar os egressos dos patronatos agrícolas, quando estes não conseguiam emprego nas propriedades particulares ou nas repartições do governo. A Colônia do Quissamã representava a contribuição do Estado de Sergipe ao projeto brasileiro de ampliar a entrada de brancos no país, ao mesmo tempo em que se impedia a entrada de africanos e asiáticos, ao lado de outras medidas que o presidente Graccho Cardoso tomara e que diziam respeito a decisões que o governo do Brasil vinha adotando quanto a políticas de saneamento, “de combate a epidemias tropicais, de higiene e o desenvolvimento de projetos eugênicos (inclusive a defesa da esterilização dos considerados não regeneráveis, como os deficientes, loucos, epilépticos, delinqüentes, dentre outros)” (VAGO, 2002, 28).
As 22 famílias de colonos alemães chegaram a Aracaju em fevereiro de 1924, a bordo do vapor Comandante Miranda. Eram 82 imigrantes que receberam os lotes do Centro Agrícola Epitácio Pessoa. O fato era considerado tão importante que o próprio presidente do Estado, Graccho Cardoso, e o secretário de governo, Hunald Cardoso, estiveram pessoalmente a bordo do navio recebendo os colonos, dando boas vindas e os encaminhando para uma hospedaria na qual estes permaneceram durante oito dias (SERGIPE, DIÁRIO OFICIAL, 1924). Na mesma oportunidade foi designado o médico Alexandre Freire para inspecionar as condições de saúde dos imigrantes.
Ao serem transferidos para a Colônia, receberam as 20 casas que o governo mandara construir em lotes de 150 tarefas, todas dotadas com luz elétrica e instalações sanitárias. Além disso, os colonos recebiam assistência dentária e tinham a liberdade de escolher a cultura que pretendiam explorar.
Dezoito meses depois do assentamento, em setembro de 1925, o próprio presidente Graccho Cardoso informou à Assembléia Legislativa que, das 22 famílias iniciais, apenas 16 continuavam vivendo no assentamento, totalizando 53 pessoas. 29 alemães haviam abandonado o projeto. Contudo, o governante continuava otimista quanto ao futuro do empreendimento:

melhor não pode ser o estado de desenvolvimento da colônia, pelo que se pode inferir da boa disposição que os seus membros apresentam, resultante das ótimas condições sanitárias e da adaptação fácil de todos aos costumes regionais. Eles estão atualmente empenhados na cultura da cana, algodão, mandioca (SERGIPE, 1925).


[i] “Sem estações experimentais é inútil querer que se implante com resultados satisfatórios, em qualquer país, o ensino agrícola adequado às necessidades locais”. A frase é de Melo Morais, da Escola Agrícola Luiz de Queiroz, de Piracicaba, no Estado de São Paulo. Cf. AZEVEDO, Fernando de. 1957. A educação na encruzilhada. São Paulo, Melhoramentos. p. 147.
[ii] Na década de 1930, o Centro Agrícola Epitácio Pessoa foi transferido para o controle do Ministério da Agricultura e se transformou na Estação Experimental de Plantas Têxteis. Cf. BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. 1938. Relatório das atividades do Ministério da Agricultura, durante o período de julho de 1934 a dezembro de 1935, apresentado pelo Ministro Odilon Braga. Rio de Janeiro, Diretoria de Estatística da Produção do Ministério da Agricultura. p. 15.

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